Publicado em 16/03/2017Projeto ensina mulheres a reformarem suas casas
As mulheres da comunidade Dandara, em Belo Horizonte, Minas Gerais, recebem instruções sobre práticas e técnicas de obrasCréditos: Bruno Figueiredo

Projeto ensina mulheres a reformarem suas casas

Arquitetura na Periferia atende mulheres de baixa renda e incentiva a autonomia das participantes

Com o objetivo de melhorar a moradia de mulheres moradoras das periferias, a arquiteta Carina Guedes fundou o projeto Arquitetura na Periferia, que apresenta às participantes práticas e técnicas de projeto e planejamento de obras. Elas também recebem um microfinanciamento para que conduzam com autonomia e sem desperdícios as reformas de suas casas.

“Mais do que oferecer um produto, buscamos favorecer a autonomia das participantes, ampliando sua capacidade de análise, discussão, prospecção, planejamento e cooperação, o que por fim leva a um aumento de sua autoestima e confiança”, ressalta Carina.

 

Arquitetura na Periferia e suas premissas básicas:

Grupo – todas as atividades são realizadas em grupo, assim é possível que as participantes se ajudem, se incentivem e criem laços de confiança;

Mulheres – as participantes são exclusivamente mulheres, a proposta visa contribuir para a inclusão da mulher no âmbito das decisões acerca da construção do espaço de moradia, área atualmente dominada pelos homens;

Poupança – criação de uma poupança conjunta utilizada na compra de materiais e na contratação de serviços para realização das obras;

Microfinanciamento – cada participante recebe uma pequena quantia em dinheiro para complementar a poupança e cobrir os gastos com as obras;

Autogestão – o processo é gerido pelas próprias participantes, assim tornam-se para além de beneficiárias, protagonistas nesse processo;

Abrangência – a proposta envolve todas as etapas da melhoria da casa, desde a concepção do projeto, o planejamento e a execução da obra e o seu financiamento. O processo consiste em encontros semanais para o planejamento das obras e após o início, encontros quinzenais para o acompanhamento. Ao final do processo, com o retorno do dinheiro emprestado, estamos prontos para a realização de novos grupos.

 

Até o momento, o Arquitetura na Periferia foi implantado na Comunidade Dandara, na região Norte de Belo Horizonte, Minas Gerais. Porém, um novo grupo de mulheres, em uma nova comunidade da região metropolitana de BH, já está em formação. O primeiro grupo de mulheres foi formado em 2013 durante o meu mestrado.

Mapa da Obra – O projeto nasceu da sua pesquisa de mestrado. Como foi esse processo?/

Carina Guedes – Entrei para o mestrado com a angústia de exercer uma profissão que não era capaz de atender à maior demanda existente no Brasil por melhoria da moradia que está justamente nas periferias. Famílias de baixa renda dificilmente têm acesso aos serviços prestados por arquitetos e engenheiros e a falta de assessoria técnica na hora de construir pode gerar, além de desperdício de tempo, material e dinheiro, problemas construtivos como falta de ventilação, infiltração ou problemas estruturais. Juntamente com a minha orientadora, professora Silke Kapp, e com o apoio do grupo de pesquisa MoM (Morar de Outras Maneiras) da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), desenvolvemos uma metodologia de assessoria técnica que tornasse possível para o profissional atender a esta demanda de forma pessoal e individualizada, onde fosse possível detectar as reais necessidades das pessoas atendidas e sem vínculo com o poder público ou instituições financeiras, pois isto tornaria o processo burocrático e lento podendo inviabilizar o ingresso daqueles que mais precisam.

MDO – Qual a principal proposta do projeto?

Carina – A proposta é contribuir para a inclusão das mulheres no processo de produção de sua moradia, pois apesar de serem geralmente as responsáveis pela manutenção do espaço doméstico, são os homens que dominam a tomada de decisões quanto à produção desse espaço, sejam enquanto familiares ou profissionais da construção civil.

MDO – Por que trabalhar apenas com mulheres?

Carina – Esta escolha é reforçada pelo fato, já demonstrado por experiências mundiais, de que mulheres ao receberem um benefício promovem mais melhorias e para mais pessoas do que os homens. Ao longo do nosso trabalho temos percebido que esta escolha é realmente necessária tendo em vista a predominância de relatos de mulheres que não tiveram a chance de opinarem sobre a construção da sua casa e muitas vezes acabam sofrendo com isso. A escolha dessas mulheres é feita por demanda, elas nos procuram e a partir do momento em que elas demonstram o real interesse em participar do projeto, nós as incentivamos a buscar outras mulheres para comporem um grupo de 3 a 5 mulheres. Até hoje, 7 mulheres foram beneficiadas.

MDO – Como funciona o subsídio financeiro?

Carina – Ao longo do processo de planejamento das reformas, as participantes fazem uma poupança conjunta, onde elas decidem qual a quantia que irão poupar por mês para a compra de materiais. Além disso, no momento da compra dos materiais ou do pagamento de algum serviço, elas recebem um microfinanciamento – uma pequena quantia de dinheiro, algo  em torno de R$ 3 mil, que elas irão devolver em parcelas mensais ao longo de alguns meses. O valor das parcelas é definido por elas durante o processo de planejamento. A verba para este microfinanciamento veio de um edital da Brazil Foundation, uma ONG que apoia projetos sociais no Brasil.

MDO – Que futuro você gostaria para o projeto?

Carina – A minha vontade é de que o projeto se torne algo sustentável, como um negócio social, que nos permita expandir a nossa atuação tanto em termos quantitativos, com a formação de novos grupos, como qualitativo, agregando mais disciplinas ao trabalho, tais como saúde e saneamento básico. Enquanto isso, continuamos buscando apoiadores financeiros e ferramentas para o desenvolvimento deste negócio social. Quem se interessar pode fazer doações por meio da nossa página no Facebook: facebook.com/perifeitura

 

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