Publicado por Aline Fernandes em 13/10/2021LIG: como esse novo investimento deve impactar o mercado imobiliário
Novo fundo de investimento tem potencial para garantir crescimento do crédito imobiliárioCréditos: Shutterstock

LIG: como esse novo investimento deve impactar o mercado imobiliário

Primeiras emissões ocorreram no fim de 2018 e mercado acredita que sua expansão será fundamental para o crédito imobiliário

Por Aline Mariane e Carla Rocha

A CBIC divulgou no início do ano um informativo* com o estudo “Déficit Habitacional e Inadequação de Moradias no Brasil” da Fundação João Pinheiro (FJP) com informações sobre o déficit habitacional brasileiro que passou de 5,657 milhões no ano de 2016 para 5,877 milhões em 2019. Concluindo-se então que o déficit habitacional relativo foi de 8% no ano de 2019, onde cerca de 90% do déficit habitacional é composto por domicílios brasileiros com renda de até 3 salários mínimos. As duas principais fontes de recursos para o mercado imobiliário, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e a poupança, estão no seu limite – é o que constata o presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Gilberto Duarte de Abreu Filho.

Porém, paralelamente a essa situação, começaram as emissões da Letra Imobiliária Garantida (LIG), tipo de fundo de investimento para o mercado imobiliário que tem grande potencial de expansão. “A LIG tem um papel fundamental no mercado, porque hoje essas duas fontes de recursos principais já estão nos seus limites”, destaca.  O FGTS não vai conseguir manter o crescimento dos desembolsos e a poupança, deve até voltar a crescer, mas é muito limitada e não atenderá a um novo patamar de mercado. Logo, necessariamente, precisamos acessar outros recursos de mercados que deveriam vir ou por meio da LIG ou por meio da securitização”, complementa Abreu.

Para Renato Lomonaco, diretor de projetos da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), o funding é o grande gargalo do mercado imobiliário brasileiro, existe um grande déficit habitacional de pessoas e necessidade de crescimento por habitação. “Mas o mercado de habitação só consegue andar se tiver juros compatíveis e um financiamento que caiba no bolso, principalmente, da população mais pobre. Para isso é preciso ter um funding barato. A LIG é um modelo que serve de alternativa para os fundings que temos e pode atender às necessidades do mercado”, acredita.

Como funciona?

No fim de 2018, bancos como: Santander, Itaú, Banco Inter e Bradesco, começaram as emissões de papéis da LIG. Atualmente, não é todo investidor que pode realizar as emissões, se restringindo aos considerados qualificados. “Para emitir a LIG, é preciso ter o lastro (o recebível) e hoje a emissão é restrita aos investidores qualificados que precisam ter o mínimo para investir. Como será uma emissão de colocação privada (de acordo com a regra 476 da CVM), é preciso colocar grandes volumes em poucos clientes, por isso, o ticket médio precisa ser muito alto – acredito que ele deva estar superior a R$ 2 milhões por investimento na LIG. É um público muito qualificado e restrito”, explica Duarte de Abreu Filho. Além disso, existe um grande incentivo para que esse tipo de papel seja emitido como um investimento de longo prazo, com prazo mínimo de dois anos de vencimento.

Com relação ao investimento, o coordenador do curso de economia da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EESP), Joelson Sampaio, explica que uma das alternativas da LIG é atrelar seu retorno à variação cambial. “Os outros tipos de investimentos são mais ligados ao mercado imobiliário diretamente quando se compara à LIG. Mas, o que mudaria a opinião do investidor ao final é um investimento mais barato quando comparado ao LCI, por exemplo”, ressalta.

Entenda: LIG x LCI x CRI

A LIG não é o primeiro nem o único tipo de investimento voltado ao mercado imobiliário – existem outros fundos destinados ao segmento. A Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) são velhos conhecidos do mercado. A primeira é lastreada por créditos imobiliários garantidos por hipoteca ou por alienação fiduciária de algo imóvel, diferentemente da LIG, é um investimento de curto prazo e possui menor rentabilidade líquida. Já os CRIs são títulos de renda fixa que não possuem garantia do Fundo Garantidor de Crédito, mas, por outro lado, são considerados de baixa oscilação e indicados para investidores com perfil moderado.

“A LIG, quando comparada ao LCI, tem uma parte atrelada ao câmbio e oferece uma segurança maior pelo fato de ser lastreada”, explica Sampaio. “Vale ressaltar que o funding da LIG é mais de longo prazo. O CRI possui uma característica mais voltada para o atacado enquanto a LIG é mais voltada para pessoa física”, complementa Lomonaco.

Dupla garantia

Para que a LIG seja emitida é necessária uma garantia dos recebíveis. Basicamente, isso significa que, a primeira garantia de pagamento é dada pela instituição financeira que emite o papel, a segunda garantia aparece no caso dessa instituição ter um problema financeiro.

O pool de recebíveis se separa da instituição financeira e quem comprou a LIG deixa de depender do banco e volta a tratar o recebível de forma direta. “Ele [investidor] tem uma dupla garantia. Esse orçamento é muito usado na Europa com o covered bond, onde os bancos fazem o financiamento e mantêm ele em carteira, mas não há dupla garantia”, explica o presidente da Abecip.

Para Joelson, coordenador da FGV, a segurança é o principal fator para o crescimento da letra no país. “Ela traz uma diferença bem significativa para o investidor com a dupla garantia. E também tem a isenção do Imposto de Renda, que nisso se iguala às outras opções”, ressalta.

Desafios

Um dos pedidos do setor é que seja feita uma simplificação do fluxo de emissão para garantir que a LIG possa atingir públicos mais massificados. “Um dos desafios é simplificar as emissões no modelo como foi feito no Certificado de Operações Estruturadas, que permite aos bancos massificar esse tipo de instrumento. Logo, queremos fazer a mesma coisa com a LIG, para possibilitar que o investidor pessoa física tenha acesso, porque esse papel tem características de pessoa física; e o segundo desafio é trazer simplificações para permitir que o investidor estrangeiro também consiga emitir o papel”, explica Duarte de Abreu Filho. Hoje, para investir na LIG, há a exigência que o investidor abra uma conta no Brasil. “O desafio é poder fazer uma emissão direta no exterior denominada na moeda estrangeira”, complementa.

* Informativo econômico CBIC.

Entenda como o Banco Central do Brasil compreende a LIG em entrevista com o diretor de regulação, Otávio Damaso.

Mapa da Obra – De acordo com reportagens do setor, o processo de regulamentação da LIG durou cerca de três anos. O que foi analisado para regulamentá-la no país?

Otávio Damaso – Em maio de 2018, o Banco Central complementou a regulamentação necessária para emissão de LIG no país, concluindo o processo iniciado com a criação do título em 2014, por meio da edição da Medida Provisória nº 656, posteriormente convertida na Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015.

Por se tratar de um instrumento complexo e inovador no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, a regulamentação da LIG demandou uma série de estudos e de discussões técnicas ao longo desse período. Foram analisadas práticas e padrões adotados em países que contam com mercados desenvolvidos de títulos com as características da LIG, visando disponibilizar à sociedade uma regulamentação alinhada com as melhores práticas.

Além disso, destaca-se a realização de consulta pública previamente à edição da Resolução nº 4.598, de 29 de agosto de 2017, que estabeleceu as condições gerais a serem observadas para a emissão de LIG. Esse processo representou um importante mecanismo de discussão com os participantes do mercado e permitiu a coleta de subsídios para o estabelecimento de regras que propiciem segurança aos investidores e, ao mesmo tempo, viabilizem a utilização do instrumento como fonte de recursos para o financiamento imobiliário.

Mapa da Obra – Qual a expectativa do Banco Central após as primeiras emissões do título?

Otávio Damaso – Na nossa visão, a LIG tem o potencial de se consolidar como uma alternativa complementar às fontes tradicionais de recursos utilizadas para o financiamento de imóveis, como os depósitos de poupança e os recursos do FGTS. Com isso, espera-se que a criação do título, em conjunto com outras medidas adotadas no âmbito da Agenda BC+, a exemplo da revisão das regras de direcionamento dos recursos de poupança, contribua para fomentar o crescimento sustentável do mercado de crédito imobiliário, com impactos positivos na geração de emprego e renda e na redução do déficit habitacional.

Mapa da Obra – Existe algum tipo de cuidado ou verificação que aqueles que procuram esse título devem ter antes de emiti-lo?

Otávio Damaso – Do ponto de vista do emissor, é necessário que sejam cumpridas tanto as regras específicas relacionadas ao título quanto as gerais que disciplinam o seu funcionamento, em particular aquelas relativas ao relacionamento com os seus clientes. Nesse sentido, a instituição emissora, ao ofertar determinado produto, como a LIG, deve assegurar que o cliente tem perfil compatível com as características do título e acesso às informações necessárias, à livre escolha e à tomada de decisão.

Ainda que existam essas regras de proteção, cabe ao investidor avaliar as características do produto e a adequação ao seu perfil de risco. Em relação à LIG, cabe destacar que o título possui garantia dupla, proveniente da instituição emissora e de uma carteira específica de ativos, sobre a qual os investidores possuem preferência em relação aos demais credores em caso de insolvência da instituição emissora, o que confere uma segurança adicional ao título. Por outro lado, o investidor deve ter ciência de que o investimento em LIG, diferentemente de outros produtos, não possui cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Além disso, deve prestar atenção em questões como prazo de vencimento e condições de resgate, de modo a avaliar se pode manter os recursos investidos pelo prazo definido.

Mapa da Obra – Entidades do setor imobiliário acreditam que a LIG tem potencial para se tornar tão importante quanto a poupança para o mercado imobiliário. O que o Banco Central acredita nesse sentido?

Otávio Damaso – As instituições financeiras possuem uma série de instrumentos de captação de recursos disponíveis, como os depósitos de poupança, as LCIs, os CRIs e agora as LIGs. Entendemos que há espaço para todos os produtos e que o mais importante é que os diferentes tipos de investidores possuam opções alternativas adequadas de aplicação e que as instituições financeiras disponham de todos esses instrumentos, a exemplo do que ocorre em mercados mais maduros, de modo que possam utilizar a ferramenta mais apropriada em relação à finalidade pretendida, ao público-alvo e às demais condições verificadas no mercado. Entendemos que a LIG tem potencial para se tornar uma fonte complementar de recursos relevante para o mercado imobiliário. Por contar com as características essenciais de um covered bond, tipo de título muito utilizado na Europa e reconhecido por sua robustez, entendemos que o título poderia atrair investidores que tradicionalmente não aplicam seus recursos nos produtos existentes voltados para o setor imobiliário, em especial investidores estrangeiros.

Mapa da Obra – Existe alguma alteração ou algum ponto que deve ser remodelado desde a Resolução nº 4.598, publicada em agosto de 2017?

Otávio Damaso – Com o objetivo de aperfeiçoamentos na Resolução nº 4.598, de 2017, foram editadas as Resoluções nº 4.647, de 28 de março de 2018, e nº 4.654, de 26 de abril de 2018, aprimorando o processo de autorização para que determinados tipos de instituição possam atuar como agentes fiduciários e definindo de forma clara as medidas que a instituição emissora, caso esteja sob a administração de interventor, liquidante ou administrador judicial, deve adotar para que a transferência da carteira de ativos ao agente fiduciário seja efetivada.

Com esses ajustes e com a edição das normas complementares, entendemos que a regulamentação vigente está aderente às melhores práticas internacionais, e adequada em relação às características do mercado de crédito brasileiro, propiciando uma alternativa robusta para instituições financeiras e investidores. Mas, como parte do processo de acompanhamento da regulação, estamos continuamente monitorando as discussões técnicas e as manifestações de participantes do mercado, com vistas a identificar, ao longo do tempo, possíveis melhorias na regulamentação.

Jornalistas da matéria:
  • Aline Mariane Fernandes
  • Carla Rocha
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