Publicado em 08/12/2014Pedreiro e zelador

Pedreiro e zelador

O baiano José de Sousa Costa nunca conseguiu abandonar de vez os serviços da construção

José de Sousa Costa, 47, é baiano, vive em São Paulo há mais de 20 anos, e hoje é zelador. Mas só chegou a esta profissão porque, antes, teve variada experiência de trabalho na construção civil. Fez serviços de pedreiro, mexeu com instalação de cabos de telefonia, trabalhou com madeira em serralherias.

No condomínio onde trabalha, em São Paulo, é pessoa indispensável. O José é quem cuida de tudo: quando não é ele mesmo que está pintando, consertando torneiras, portas quebradas ou chuveiros queimados, ou ainda trocando tubos hidráulicos, coordena e fiscaliza as equipes contratadas pelo prédio para realizar serviços de todos os tipos.

Se não soubesse fazer de tudo um pouco, não seria o zelador. José não seria o José. Conheça um pouco mais sobre ele, e entenda porque ele deixou a construção, há mais de duas décadas:

Quando você começou a trabalhar na construção?
Nasci na Bahia, em Igaporã. Aos 16 anos deixei a fazenda do meu pai, onde ele era vaqueiro, e fui para a cidade, trabalhar com meu tio pedreiro. Ali aprendi a lidar com a construção: primeiro como ajudante, eu fazia a demarcação dos gabaritos da casa, cavava para preparar os buracos para os alicerces, enchia… Ainda era no tempo das casas de adobe.

Como era o adobe?
Era barro com pedra. Nós mesmos fazíamos os blocos, amassando o barro. Depois, deixava secar ao sol. Os blocos tinham uns 12 cm de altura por 25 cm de comprimento. Cada gamela daquela era um adobe para assentar. Era muito pesado o serviço…

De onde saía a terra para fazer os blocos?
Saía dos buracos que escavávamos para os alicerces, ou da fossa. Era interessante trabalhar com o adobe, porque não havia colunas para fazer a amarração das paredes. Os blocos ficavam trançados nos cantos. O reboco era feito com areia e barro, e tinha que ser fraco (mais areia, e menos barro), para não rachar.

Quanto tempo você ficou na construção em Igaporã?
Mais ou menos dois anos. Antes disso ainda trabalhei com meu primo fazendo batente de portas, mesas, cadeiras e outros móveis de madeira. Daí fui para o Mato Grosso, onde me dividia entre uma serralheria – preparávamos tábuas para vender a madeira no mercado –, e os cuidados com o gado do patrão.

E você nunca foi à escola nesse tempo?
Não. Em Igarapé não tinha escola. E no Mato Grosso eu precisava trabalhar para me manter. O serviço lá também era muito pesado. A gente aprendia tudo na prática.

Depois de quanto tempo no Mato Grosso você veio para São Paulo?
Fiquei lá mais uns dois anos. Cheguei aqui em 1987, quando já tinha uns 20 anos de idade.

E o que fez ao chegar?
Voltei para a construção. De cara trabalhei em obras de casas residenciais no bairro do Morumbi e no Jardim Ângela, onde eu morava. No Morumbi também trabalhei em grandes empreendimentos, contratado por um empreiteiro, mas não fiquei muito tempo com ele. Começaram a me passar para trás. Lá o serviço era de pedreiro, eu fechava paredes, rebocava, nivelava, aplicava massa fina, fazia contrapiso.

Mandaram-me, depois de um tempo, para a construção de uma casa no bairro do Limão, até que a empresa fechou e o empreiteiro me largou sozinho na obra, sem me pagar o que devia. O engenheiro responsável, que já havia pagado pela empreiteira, pediu que eu ficasse para terminar tudo. Eu fiz a casa sozinho, recontratado pelo engenheiro que gerenciava a obra. Foi ele quem me pagou, ao final.

O que você fez nessa obra exatamente?

Quando o empreiteiro sumiu, ainda tínhamos que tirar terra da garagem, bater lajes – todo o serviço estrutural e pesado. Foi uma enorme decepção. O trabalho em obras era muito braçal, e nós não tínhamos as máquinas de hoje. Todo o concreto era virado e carregado no braço. Atualmente muita gente procura trabalho na construção porque o serviço está melhor e mais seguro. Lembro-me de trabalhar nos edifícios do Morumbi sem cinto, sobre os balancins. Isso é hoje impensável, porque a fiscalização de segurança é enorme.

E seus serviços foram sempre como pedreiro?

Não. Depois dessa obra no Limão ainda trabalhei para outra empreiteira, que prestava serviços à Telesp. Entrei como ajudante, depois logo me tornei oficial. A gente fazia acabamento de caixas de cabos e de hidráulica – e aqui tive a oportunidade de aprender um pouquinho mais do que ainda não conhecia, apesar de continuar fazendo serviços de alvenaria.

E esse serviço era um pouco melhor?

Sim, mas o problema era que não tínhamos local fixo de trabalho. Cada dia numa obra, num bairro diferente e distante da cidade. Então eu não tinha hora para sair nem para voltar para casa, e passava, todos os dias, parado no trânsito. Acabava sendo ainda mais cansativo. Foi quando resolvi procurar emprego em edifícios.

E por que edifícios? 

Era um jeito de colocar tudo que eu sabia, de construção civil, em prática, mas ocupando outros cargos. A vida ia ser mais tranquila, apesar do salário mais baixo… Foi por esses conhecimentos que logo cheguei à posição de zelador. Antes disso trabalhei mais de dez anos em manutenções prediais – linhas telefônicas, hidráulica, elétrica, pintura, portaria e, finalmente, coordenação de serviços, tanto dos nossos funcionários quanto das empresas que eram contratadas para fazer serviços de construção.

Para ser um bom zelador, é preciso saber tudo isso?

É preciso saber fazer as coisas que aparecerem, ou supervisionar o trabalho de outros profissionais de obra. Os condomínios economizam muito se houver um zelador competente para fazer e acompanhar serviços de manutenção predial. É importante. Onde eu trabalho, por exemplo, não se paga por gerente de obras nem por um supervisor de serviços. Eu mesmo faço isso, além de cobrir folga de porteiros, e ainda atender eventualmente moradores que precisam de pequenos reparos – pintura, alvenaria, elétrica, hidráulica – nos meus horários de folga.

Você voltaria para a construção civil?

Eu gosto muito da construção civil. Trabalhar em obra tem seu lado bom. A gente vê mais a rua. Aqui eu fico muito preso em casa, porque trabalho onde moro. Mas gosto muito da minha função. Aprendi a gostar, e como já estou há onze anos neste prédio onde sou zelador, e tenho a oportunidade de colocar em prática meus conhecimentos de construção, não pretendo deixar o emprego agora. Principalmente porque ele é bastante estável, e eu já estou mais maduro.
Foto: Marcelo Scandaroli

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